Quem estava antenado à ciência astronômica durante a década de 1980 sabe que a busca por planetas fora do sistema solar era intensa. Ora, em um universo tão grande e cheio de estrelas, deveriam haver outros mundos, não? A resposta só veio na década seguinte, quando os primeiros exoplanetas começaram a ser descobertos. Desde lá, milhares foram observados, mas os sistemas complexos, como o solar, continuam raros. Agora, isso pode mudar. Um grupo internacional de cientistas acaba de anunciar a descoberta de um sistema planetário com seis exoplanetas – e eles podem ser a chave para desvendar muitos outros.
Essa história começou em 2020, quando o TESS, satélite da Nasa construído para buscar planetas fora do sistema solar, descobriu que poderia haver algo na órbita da HD110067, uma estrela próxima, a apenas 100 anos-luz de distância. Dois anos depois, o mesmo instrumento mostrou que poderiam haver dois planetas, mas os dados ainda estavam confusos. Foi quando Rafael Luque, pesquisador da Universidade de Chicago, decidiu investigar a estrela para entender melhor o que estava acontecendo. “Acho que o momento mais incrível veio logo no final, quando, depois de todo o nosso trabalho para montar o sistema, conseguimos ver que estava tudo correto”, disse o pesquisador, em entrevista a VEJA. “Foi muito animador.”
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Utilizando o telescópio europeu CHEOPS eles conseguiram ver que, na verdade, eram seis os planetas orbitando a estrela. Não fosse essa descoberta o suficiente, eles ainda combinaram observações objetivas e cálculos matemáticos para prever as órbitas desses corpos. O resultado, publicado nesta quarta-feira, 29, na renomada Nature, revelou que o sistema era ainda mais raro que parecida.
SISTEMA PLANETÁRIO – Seis Exoplanetas: descoberta rara pode ajudar a encontrar outros planetas fora do sistema solarThibaut Roger/NCCR Planets/Modificado/Divulgação
O que os pesquisadores conseguiram descobrir é que todos esses planetas estão em ressonância – o que significa que a partir da órbita de um, é possível prever com certa exatidão a posição dos outros. “Sabemos que isso não acontece com frequência, por isso estamos entusiasmados em aprender mais sobre as condições deste sistema quando ele se formou, para que possamos entender por que outros não tiveram o mesmo destino”, diz o pesquisador.
Quase todos os sistemas planetários nascem ressonantes, mas com o passar do tempo, fatores externos modificam esse balanço, fazendo com que cada planeta seja obrigado a encontrar uma órbita menos previsível. Isso significa que esse sistema em específico permaneceu intocado desde o seu nascimento, há pelo menos quatro bilhões de anos – um feito extremamente raro e que permitiu a elucidação das orbitas.
Há algum planeta igual a Terra?
A comunidade científica ainda vai avaliar os resultados, mas eles parecem animadores. “É um achado muito importante e o ponto fundamental do artigo é a divulgação da técnica que permitiu a eles encontrar múltiplos planetas”, afirma Roberto Dell’Aglio Dias da Costa, pesquisador de exoplanetas e professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (USP).
Além da órbita ressonantes, eles ainda conseguiram observar que todos os planetas pertencem ao que os cientistas classificam como sub-netuno ou hot jupter, uma classe inexistente no sistema solar, mas comum entre os exoplanetas. Por aqui, os planetas rochosos ficam mais próximos da estrela, enquanto os mais massivos e gasosos, na região mais externa. Os descritos agora, são planetas da ordem de grandeza de Júpiter, porém muito próximos de suas estrelas. “A composição e origem dos sub-netunos é uma questão de forte debate na comunidade hoje em dia, mas as observações futuras desses planetas podem nos ajudar a entender de que são feitos e onde se formaram”, afirma Luque.
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Se a técnica for mesmo validada pela comunidade astronômica, poderá ajudar a encontrar muitos sistemas multiplanetários. Das mais de 5 mil estrelas com planetas descobertas até hoje, apenas 800 tem mais de um deles. “Isso não é porque eles sejam de fato isolados, mas porque as técnicas de busca favorecem a detecção de planetas massivos”, afirma Dell’Aglio. “Creio que esse trabalho tenha o potencial para aumentar em muito o número de exoplanetas, principalmente a partir da reanálise de dados já existentes para sistemas conhecidos”
A boa – ou a má notícia: nenhum dos exoplanetas descobertos tem as características da Terra. Inexiste, portanto, ao menos por ora, a esperança de haver vida como a nossa.
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