Estreia nacional nos cinemas nesta quinta-feira, 28, o filme Minha Irmã e Eu tem Ingrid Guimarães e Tatá Werneck em uma comédia perspicaz sobre os dramas familiares de uma típica família de Goiânia. Miriam, papel de Ingrid, é uma dona de casa dedicada ao marido e aos filhos e que passou a vida cuidando da mãe, Márcia (Arlete Salles), sem nunca sair do interior de Goiás. Enquanto isso, sua a irmã mais nova, Mirelly, foi fazer a vida no Rio de Janeiro, onde ostenta uma vida de luxo. Quando Miriam decide que chegou a hora de Márcia morar com Mirelly para ela ter menos trabalho em casa e a caçula nega, a matriarca da família ouve a discussão e foge após se sentir rejeitada pelas duas crias, que se veem obrigadas a irem atrás da idosa antes que uma tragédia aconteça. Durante esse processo, as irmãs tentam se reconectar após uma vida inteira de conflitos e afastamento, ao mesmo tempo que embarcam em suas próprias jornadas de autoconhecimento individuais. O resultado é um filme cômico com piadas no tom certo e em partes emocionante.
Em entrevista a VEJA, Ingrid Guimarães, 51 anos, e que além de protagonista também é roteirista da comédia, falou sobre a homenagem a suas próprias origens e suas irmãs, etarismo, sexo na maturidade e o desafio de retratar o povo goiano e familiares — com quem se desentendeu durante as últimas eleições presidenciais, já que a atriz é crítica a Jair Bolsonaro, e Goiás é um dos estados onde o bolsonarismo é mais forte.
Confira a conversa:
Minha Irmã e Eu se passa no universo de Goiânia, onde você nasceu. É uma forma de homenagear suas origens? Com certeza. Era um desejo muito antigo meu fazer um filme que pudesse homenagear Rio Verde, a cidade onde meu pai nasceu. Tem várias personagens que têm os nomes de tias minhas, eu acho que a minha composição para a Mirian tem muito de mulheres que eu já conheci. Muitas delas viviam apenas para a família, cuidando do marido e dos filhos, e faziam daquele lugar o seu único universo.
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Os personagens centrais são todos goianos, moradores de uma região do interior do Brasil que é muito atrelada ao bolsonarismo durante as eleições. Como foi poder retratar uma visão diferente desse povo para além da política? Essa foi uma das partes mais difíceis para mim, porque realmente há parte da minha família, amigos e amigas da minha mãe que são fazendeiros, do agronegócio mesmo, e que são bolsonaristas. Acabamos nos desentendendo na época das eleições, então era muito difícil fazer essas pessoas entenderem que para mim não era uma questão política, era humanitária, então foram muitas brigas, mas eu acho que o tempo passa e eu acho que a arte ajuda muito nisso. Ficou um clima estranho porque a cidade, Goiânia, é muito bolsonarista, tem a ver com o conservadorismo do interior. E um artista sendo contrário virou uma coisa. Mas aí fizemos um combinado de não falar desse assunto. Foi bom fazer esse filme porque é uma forma de fazer as pazes com a cidade.
Tem uma representação carinhosa dos seus parentes, certo? Sim, porque apesar de Goiás seguir esse caminho politicamente [de direita], não é só isso. Lá existem pessoas extremamente amorosas, cuidadosas, que olham você como você, unidas, é um povo muito amoroso e parceiro. Eu queria pegar essa lado de Goiás, da família, do amor, dessa forma como um cuida um do outro. Que é um lado muito legal de quem nasceu no interior, com os valores muito enraizados.
Teve algum aspecto da sua relação com as suas irmãs, Astrid e Sigrid, que quis colocar nesse filme? Muitos aspectos são parecidos. Eu tenho uma relação muito próxima com as minhas irmãs. A gente divide tudo desde muito criança. Então essa coisa de que você briga, mas aquela briga é boba porque a gente sabe que aquela conexão é tão grande e existem laços que só compartilhamos com aquelas pessoas que viveram a mesma coisa que nós. Então acabei pegando muitas referências da minha relação com elas. Tem uma cena que a Miriam e a Mirelly estão conversando na piscina e eu insisti muito para que essa sequência entrasse porque eu me lembro de ficar horas na piscina da casa de parentes com as minhas irmãs quando éramos crianças.
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Em uma cena tocante do filme a dona Márcia escreve uma carta para as filhas falando sobre a necessidade de seguir o próprio rumo sem se apoiar na família. Como foi colocar aqueles sentimentos no texto? Eu mesma que escrevi essa carta e me lembro de acabar de escrever e começar a chorar, porque foi muito emocionante pensar que eu fui a personagem da Tatá Werneck da minha família de verdade, eu saí de casa e fui para longe, enquanto minhas irmãs ficaram cuidando das coisas, da minha mãe, uma é administradora e cuida da empresa da minha mãe. E é interessante também pensar que a geração acima da minha mãe é uma geração que nunca foi incentivada a trabalhar, já eu saí de casa incentivada a ser independente. A dona Márcia tinha um sonho, mas ninguém nunca disse que ela poderia realizá-lo, e na carta ela explica que vai finalmente atrás dele. A minha mãe é muito ativa, penso que a Márcia é mais parecida com a minha avó, que nunca teve um emprego, nem viajou, mas passou a vida cuidando de todo mundo. A gente quis dar um exemplo positivo que a mulher de 75 anos pode sim ir atrás dos seus sonhos.
Minha Irmã e Eu também ressalta como mulheres acima dos 50 anos ainda tem desejos e devem continuar explorando sua sexualidade. Por que acha importante essa abordagem? Eu quis muito falar dessa mulher que percebe que a vida dela é um tédio, porque a Miriam foi criada de uma maneira para aceitar tudo aquilo, de só cuidar do marido, dos filhos e da casa, como se fosse aquilo fosse algo normal. Sendo que o marido dela é abusivo, inclusive pratica abuso patrimonial na história. Eu quis mostrar a evolução dessa personagem, por isso fiz questão de incluir a cena de sexo dela com o personagem do Leandro Lima, porque mostra o exato momento que a mulher para de olhar para a família e passa a enxergar a sia mesma como mulher pela primeira vez em 20 anos, saindo dessa invisibilidade. O sexo na maturidade é uma libertação para as mulheres da minha idade, é a possibilidade de ir atrás do seu próprio prazer. E a mulher de 50 anos pode ter fantasias, isso independe de idade.
Por que investe tanto na representação de mulheres maduras como protagonistas de suas produções, como a franquia De Pernas para o Ar e seu próximo longa com a Monica Martelli? O Brasil é um país muito etarista, onde envelhecer é feio, então a gente quer falar disso, de que como essas mulheres precisam ser representadas no audiovisual. Conheci a palavra etarismo há dois anos, minha mãe nunca falou de menopausa comigo, mas a gente tratar com leveza e cada vez mais normalizar o envelhecer.
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